quinta-feira, 27 de março de 2014

Versão Cefálica Externa (VCE) - para bebês pélvicos (sentados)

Texto da Dra. Melania Amorim





 
Bebê Pélvico ou sentado (foto cedida por paciente do Programa GestaVida)


 Cerca de 3% dos bebês chegam ao termo em apresentação pélvica. Embora o parto normal seja possível nesses casos, há um aumento do risco relativo de morbidade e mortalidade perinatal e o prognóstico dos bebês pélvicos, independente da via de parto, é ligeiramente pior do que o de bebês cefálicos. Na revisão sistemática da Cochrane sobre cesariana vs. parto vaginal programado para os casos de apresentação pélvica, a mortalidade perinatal foi de 0,26% e 1,15%, respectivamente.


Bebê sentado (foto cedida por paciente do Programa GestaVida)
Tentando prevenir o nascimento de um bebê em apresentação pélvica, várias alternativas têm sido propostas, desde medidas posturais (exercícios), uso de moxabustão, acupuntura e a versão cefálica externa (VCE).




A versão cefálica externa consiste na manobra de reposicionar o bebê que se encontra em apresentação pélvica, "virando-o" dentro da barriga através de movimentos manuais combinados com pressão no abdome materno. Era um procedimento relativamente comum na Obstetrícia do passado, mas durante as décadas de 70/80 sua popularidade caiu muito entre os obstetras, devido a alguns relatos e séries de caso demonstrando efeitos adversos. É por isso que muitos obstetras, ainda hoje, condenam o procedimento.

No entanto, estudos mais recentes, a partir da década de 90, têm demonstrado as vantagens do procedimento, desde que realizado por pessoas experientes, com avaliação ultrassonográfica prévia, sugerindo-se o uso prévio de tocolíticos (drogas para diminuir a contratilidade uterina) e a monitoração da vitalidade fetal depois do procedimento. Uma revisão de 44 estudos com 7377 pacientes que se submeteram a uma tentativa de VCE evidenciou que a a complicação mais frequentemente relatada foi alteração transitória da frequência cardíaca fetal (em torno de 6%). Complicações menos frequentes foram sangramento vaginal (0,5%), descolamento prematuro da placenta (0,1), cesariana de emergência (0,4%) e mortalidade perinatal (0,16%) (Collaris 2004). Devido ao risco de isoimunização Rh, a profilaxia com imunoglobulina anti-D é recomendada para gestantes Rh-negativas que se submetem ao procedimento.

Duas revisões sistemáticas da Biblioteca Cochrane estão disponíveis abordando a VCE no termo e pré-termo. Na primeira revisão (2009), foram incluídos sete estudos, com 1245 mulheres. Observou-se uma redução significativa dos nascimentos não cefálicos (RR=0,46; IC 95%=0,31 - 0,66) e de operação cesariana (RR=0,63; IC 95% = 0,44 - 0,90), sem diferença significativa nos escores de Apgar, pH do sangue do cordão, admissão em UTI e morte perinatal. A taxa de cesariana foi de 19,4% no grupo submetido a versão e de 29,6% no grupo não submetido ao procedimento.

Chama a atenção que a taxa de cesariana, apesar de se reduzir significativamente com a VCE, ainda persiste relativamente elevada (em torno de 20%) em mulheres submetidas a VCE bem sucedida, quando comparadas com mulheres com bebês em apresentação cefálica espontânea (taxa de cesárea em torno de 6%) em diversos estudos, sugerindo que alguma sutil anormalidade subjacente, do concepto, do cordão ou da anatomia pélvica podem estar associadas à apresentação pélvica persistente no termo. No entanto, como os grandes estudos observacionais sugerem que complicações do procedimento são raras e que a VCE reduz tanto a chance de nascimento não cefálico como de cesariana, os autores da revisão Cochrane sugerem que há fortes razões para o uso clínico da VCE a termo, com as devidas precauções, em qualquer mulher para quem a chance aumentada de um nascimento cefálico supera os riscos do procedimento.

Em outra RS Cochrane avaliando os efeitos da VCE pré-termo (antes de 37 semanas), comparou-se uma política de VCE iniciando-se entre 34 e 35 semanas com a não-realização de VCE ou VCE a termo. Comparada com nenhuma tentativa de VCE, VCE antes do termo reduz o risco de nascimentos não-cefálicos. Comparada com a VCE a termo, iniciar VCE entre 34 e 35 semanas parece ter algum benefício em termos de reduzir a taxa de apresentação não cefálica e cesariana. No entanto, como a metodologia dos estudos incluídos variou bastante e os dados foram insuficientes para avaliar complicações, os autores sugerem que, apesar de essas evidências serem promissoras, não são adequadas para apoiar uma política de iniciar VCE antes do termo. Como os resultados da VCE a termo já estão bem estabelecidos, até que novas pesquisas forneçam evidências mais conclusivas em torno da segurança da VCE antes do termo, recomenda-se que o procedimento seja oferecido depois de 37 semanas de gravidez para mulheres com feto único em apresentação pélvica e sem contraindicações.

As contraindicações para VCE são: gravidez múltipla, malformações fetais graves, vitalidade fetal comprometida ou morte fetal, outra indicação de cesárea independente da apresentação (p.ex. placenta prévia) e membranas rotas. Contraindicações relativas incluem cesárea anterior, restrição do crescimento fetal e sangramento uterino, porém as evidências não são suficientes para proibir a versão nesses casos.

O procedimento para versão cefálica externa é relativamente simples, e pode ou não ser monitorado por ultrassonografia. Alguns métodos podem ser utilizados para aumentar a chance de sucesso da versão, mas o mais comum e que oferece bons resultados é o uso de terbutalina (250mcg SC 15 a 30 minutos antes do procedimento) para diminuir a contratilidade uterina. Quando uma primeira tentativa de versão falha, mesmo com terbutalina, recomenda-se repetir o procedimento sob anestesia raquidiana, que promove o relaxamento da parede abdominal e aumenta as chances de sucesso.



Várias organizações recomendam que a VCE seja oferecida a todas as mulheres com apresentação pélvica a termo, como por exemplo o Royal College of Obstetricians and Gynaecologists, o American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG), a Royal Dutch Organization for Midwives (KNOV) e a Dutch Society for Obstetrics and Gynaecology (NVOG).

Em suma, apesar de alguns obstetras ainda acreditarem que o procedimento é obsoleto e não deve mais ser adotado, todo um corpo de evidências nos últimos 20 anos tem demonstrado o contrário. A versão cefálica externa deve ser incorporada à prática obstétrica, uma vez que reduz expressivamente tanto os nascimentos não cefálicos como as taxas de cesariana. Em uma época em que muitos obstetras perderam a habilidade de conduzir adequadamente partos pélvicos, a VCE surge como uma alternativa atraente e segura para mulheres com bebês em apresentação pélvica que querem ter parto normal, mas não estão seguras ou não encontram obstetras dispostos a prestar assistência ao parto pélvico.

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